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  • Writer's pictureTiago Franco

Os Russos são mal-humorados

Antes de embarcar para a Índia não conseguia parar o medo. Associava a este povo as ideias de que “os Indianos vão tentar enganar-te em tudo quanto puderem” ou “os Indianos não têm condições nenhumas de higiene, são só doenças por lá”. Sentia aquele pânico interior a fervilhar a mil à hora que, quando se exteriorizava, assumia aquele sentimento de coragem e bravura para com quem seguia a minha viagem e, acima de tudo, para com a minha família. Resultado: ainda está para vir o país que me traga tantas coisas boas como a Índia. Dizem que é no meio do caos que encontras a tua verdadeira essência e acho que foi isso mesmo que aconteceu comigo. Índia é casa.


Depois fui para o Bangladesh – “tens a certeza que queres ir?”, perguntavam-me os indianos com aquela cara de desconfiança total que te destrói com todas as inseguranças que tens. Até à data, contavam-se pelos dedos de uma mão a quantidade de portugueses que tivessem estado no Bangladesh. Mais: as notícias pós-eleições com conflitos internos faziam destaque em todos os jornais pelo Mundo fora. Como era suposto arranjar inspiração para me sentir seguro? Não tinha expectativas nem planos, só inseguranças. Resultado: ainda está para vir o país onde as pessoas sejam tão genuinamente simpáticas como no Bangladesh, onde em cada esquina te abordam e convidam para tomares um chá.


Bem… e com estes exemplos já devia ter aprendido alguma coisa, mas não. Cheguei à Rússia há 7 dias com um visto de 30. Sempre tive na minha ideia que os Russos eram pessoas frias, rudes e, de certa forma, brutas. Não sei de onde veio, cresceu comigo. Mas depois via imagens do transiberiano e pensava… “vale pelas vistas”. Também confesso: quando estava a fazer o projeto quis incluir “coisas que só se fazem uma vez na vida” – quando é que, algum dia, iria eu investir dias de férias de um emprego a ir viver com a família de um refugiado? Ou, até mesmo, investi-los a limpar praias na Índia? O transiberiano querer tempo e isso é o que mais tempo agora!


Voltando ao que me traz, de novo, à escrita: tenho vindo a aprender muito sobre como abordar pessoas, como trabalhar as expectativas que tenho sobre outros povos e a valorizar quem me quer bem. A Rússia não é o Putin que vejo nos jornais, nem as senhoras loiras com sotaque bem carregado que facilmente perdem o temperamento. Melhor: a Rússia não é SÓ isso. Na mesma medida em que a Índia não é só um conjunto de pobres sem higiene, ou que o Bangladesh não é só um país de pessoas que vivem sem total liberdade.


Ainda estou a tentar definir esta que é a maior lição que trago da viagem. É cliché dizer-se que nem tudo o que os jornais escrevem corresponde à realidade ou que o Mundo tem pessoas boas em todo o lado. Aliás, isso para mim até soa bem a vazio porque realidades há muitas e são sentidas de formas diferentes por pessoas diferentes, para além de que a raça humana desde sempre trabalhou em comunidade desde os tempos recolectores daí que, naturalmente, haja pessoas boas tanto na China como na Patagónia. É parte do nosso ADN sermos bons uns para os outros. Por aqui, e agora, reflito sobre como fui tão bem recebido por pessoas que conheci aleatoriamente na rua, sobre como a família e amigos em Portugal sempre estiveram lá para o que precisava e sobre como quero que seja o Franco que saiu para o Mundo com a mochila às costas e que volta a Portugal cheio de vontade de fazer acontecer alguns dos projetos que estiveram no baú demasiado tempo.


Sinto-me grato. De mente verdadeiramente aberta ao que vier. E consciente… os preconceitos que tenho em mim vão permanecer até prova em contrário – a forma como lido com eles é que será limada com mais detalhe.


Os Russos não são mal-humorados. Está-lhes no ADN um sentido de humor peculiar e isso só lhes dá ainda mais identidade. Gosto da Rússia.

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