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  • Writer's pictureTiago Franco

Franco, o [me]ditator

Voltei das Himalaias mais cedo do que queria porque não queria falhar no curso de meditação Vipassana. Este é um curso intenso de 10 dias de meditação sentada e tem uma conduta bastante restrita. Por exemplo: 1. Não se pode comunicar com palavras, gestos ou olhares com outros participantes; 2. A segregação entre géneros (se é que o conceito ainda é válido) é obrigatória - não há cruzamento entre homens e mulheres durante todo o curso; 3. São servidas duas refeições vegetarianas por dia (pequeno almoço às 6h00 e almoço às 11h00), e, por volta das 18h há chá, uma banana e meia maçã por pessoa; 4. Os meditadores assumem o compromisso de participar em todos as meditações programadas, que, acumuladas, somam 10 a 12 horas diárias; 5. Objetos com cariz religioso, livros, material de escrita, telemóveis ou computadores não são permitidos à entrada para evitar distrações; 6. A prática de desporto ou yoga não é permitida no centro de Kathmandu – apenas se pode andar para aliviar as dores; 7. No início, todos entregam o passaporte, cartões de crédito e dinheiro, e não é permitida a desistência a meio do programa; 8. O consumo de álcool, tabaco ou drogas deve ser suspenso durante o programa, tal como nas semanas que o antecedem; 9. Não é permitida qualquer prática de caráter sexual; 10. Todo o curso é sustentado através de doações de participantes e, os mesmos, não podem fazer donativos pessoais aos professores e ajudantes do curso.


E o que é o Vipassana? Não me vou alongar na explicação do método: pretende-se ver a realidade tal como ela é, e, através disso, livrar a mente do sofrimento e dos pensamentos mais profundos na área do subconsciente. Esta é uma técnica que foi primeiramente estruturada por Buddha há centenas de anos atrás, que sobreviveu no tempo através de cursos no Myanmar. Recentemente, foi resgatada por Goenka que a devolveu às raízes Indianas e, hoje, tem centros de meditação reconhecidos em todo o Mundo e até já é aplicada em algumas prisões na Índia.


E porque me inscrevi no curso? Fiz um Gap Year para me descobrir a mim próprio e os meus limites. Vários mochileiros que encontrei pelo caminho falaram-me desta técnica e do quão bons foram os resultados. Tentei não saber demasiado: facilmente crio expectativas e se o objetivo era encontrar a “verdadeira felicidade”, então o melhor mesmo é nem ter nenhuma imagem associada a essa ideia.


E ao sexto dia sem falar, desisti. Na verdade, achei que nem era possível desistir, mas foi. A decisão não foi fácil, foi tomada em consciência e acredito que foi o melhor a fazer. E não são precisas desculpas… a verdade nua e crua é que não fui capaz de me adaptar. A comida foi suficiente e os ajudantes eram fantásticos connosco e inspiravam confiança. Mas… 1. Acordávamos às 4h00 para ir meditar; 2. Toda a meditação era feita numa sala escura, sentados numa almofada sem espernear às vezes durante mais de 2 horas; 3. Manter-me em silêncio foi quase fácil para mim, mas chegar ao final do dia e não poder expressar o que estava a viver com ninguém ou através da escrita foi desencorajador; 4. Comecei a duvidar do método, e este foi o ponto de viragem.


Sempre gostei de História e de conhecer o Mundo e nos últimos tempos tenho andado a ler os livros do professor Yuval Noah Harari, em que, por meias palavras, se lê que Gautama, o Buddha, atingiu o Nirvana e libertou-se totalmente do sofrimento; segundo ele, o sofrimento existe por meio do desejo, e a única forma de sermos verdadeiramente felizes é através da libertação do mesmo e do treino da mente para experiência da realidade tal como ela é e não como queremos que ela seja. Mais, lê-se que o Budismo doutrinou pessoas para que centrar as suas forças neste método e para deixar de lado a prosperidade económica e o poder político; ainda assim… 99% dos budistas não atingiu o Nirvana e mesmo que acreditem que um dia o vão atingir, vivem na dicotomia da perseguição do mesmo enquanto vivem em sociedades capitalistas.


O Vipassana resulta mesmo? Talvez, não cheguei ao fim para auferir sobre isso. Na minha experiência, foi demasiado duro para que pudesse valer a pena. Claro que, depois de 50 e tal horas sentado, quieto e calado, tive momentos em que me senti completamente relaxado e concretizado, e consegui sentir o que era suposto sentir. Mas, para ser sincero, nesta fase da minha vida, não faz sentido acreditar que a “verdadeira felicidade” está somente na mestria da mente, e não na mestria do corpo e do discurso. E a verdade é que 99% dos budistas ainda não conseguiram dominar a mente. Acredito em equilíbrios e decidi terminar a minha jornada antes de tornar a experiência negativa ou, até, destrutiva. Com confiança, acredito que tudo o que vi por lá me ensinou muito sobre qual é a forma certa de atingir a “verdadeira felicidade”, e, com todo o respeito e admiração, não é porque alguém em 1990 diz ter atingido a felicidade plena após ter ficado meses ou até mesmo anos da sua vida sentado numa sala, em silêncio e longe da Natureza a aprender a dominar a sua mente que o Tiago Franco, em 2019, o conseguirá. Talvez seja arrogância da minha parte, mas prefiro apelidá-lo de sentido crítico.


Ficam as boas memórias e uma experiência positiva, talvez um dia a repita. Quem diria que alguma vez ia conseguir ficar 6 dias quieto e calado com esta mente criativa e revolucionária que está sempre a pensar em detalhes e novos projetos a toda a hora. Os meus pais, mas sobretudo os meus colegas e professores do 3º ciclo iam ficar orgulhosos. Ou então nem acreditam. Mas aconteceu.


Até breve, franco.


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