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  • Writer's pictureTiago Franco

Deixei de seguir bloggers de viagens

Aviso: esta é uma reflexão que reúne muitos temas que andaram a maturar na minha cabeça durante os últimos meses. É um texto que demora o seu tempo a ser lido e outro tanto a ser ponderado para que se evitem interpretações erradas. Foi escrito com a melhor das intenções. A todos os que o lerem, da Rússia vai um sincero obrigado.


Parti no dia 4 de Janeiro, há mais de seis meses. Há uns dias lia uma publicação sobre saúde mental em viagem e acho que já tenho legitimidade de opinião para escrever sobre este tema e alguns outros que vão interligando.


Nas redes sociais partilham-se imensas teorias de mochileiros sobre como se deve viver uma viagem, como se é um viajante e não um turista, como se conhece uma cultura. Espalham-se fotos filtradas de irrealismos, cores vívidas e momentos construídos ao detalhe. Vive-se bem, transmite-se felicidade genuína, partilham-se momentos com “os nativos”. E, no fundo, quem sou eu para julgar tudo isto – se forem felizes e se a viagem for sinónimo de abertura ao mundo, então está tudo certo. Mas deixo aqui os meus dois “contudo” que andam a fervilhar há muito.


UM. Eu, como seguidor, fui inspirado a viver com uma mochila repleta de uma realidade vazia. Culpa minha, claro, que me deixei deslumbrar! Tomar a decisão de ficar um ano sem prosseguir com os estudos não foi fácil e em muito tenho a agradecer a quem se deu ao mundo digital e partilhou as suas aventuras. Admito que foi uma decisão egoísta, algo pragmática e que revelou muita, muita, falta de noção quanto às suas implicações. Viver sozinho com a mochila às costas, sem teto, com pouco dinheiro e, acima de tudo, com um turbilhão de expectativas é doloroso. E, reforço, tudo isto sozinho. É uma pressão mental gigante, um excelente processo de autoconhecimento e a maneira perfeita de dar em doido.


Como seguidor que era, segui os passos dos meus mestres de viagens e refletia-o no meu mundo digital, especialmente no meu perfil de Instagram. Os filtros, as descrições em inglês, os comentários em mil outras contas de bloggers de viagens, os hashtags, as partilhas de dicas de viagem. Partilhei os momentos bons, os importantes. Partilhei tanto que são incontáveis a horas que investi a partilhar. O Sri Lanka foi um sucesso e a Índia para lá caminhava. Até que tudo isto se desmoronou nas semanas mais exigentes que tive emocionalmente…


Estava no topo de um dos templos de Hampi. na Índia. Tinha comboios comprados para as próximas semanas, vivia a minha primeira experiência de couchsurfing, tinha a pica para viver o Mundo e mostrar o Mundo. Brevemente, iria ser voluntário durante 3 semanas numa ONG nas montanhas a norte da Índia. Estava a viver o sonho em pleno. Estava… até receber um e-mail da ONG indiana a dizer que o voluntariado estava cancelado porque não tinha o visto de voluntário (quando este nunca tinha sido pedido antes). Imediatamente, ligo para um outro voluntariado que tinha previsto num orfanato no Nepal durante um mês e confirmo todos requisitos e condições, em que me dizem: “como te dissemos anteriormente, este voluntariado não é pago, apenas tens de dar à família de acolhimento um valor simbólico de 18€/dia”. Como assim não é pago e me falam, pela primeira vez, destes valores diários?! Tinha também previsto viver com a família de um amigo que cresceu no Bangladesh e que, hoje, é refugiado na Alemanha – há umas semanas que o tentava contactar e nada. Como quem não quer a coisa, fui ler umas notícias, e, socialmente, o pós-eleições foi crítico, com manifestações nas ruas naqueles últimos dias. Fritei. Fritei. Fritei. Todo um projeto caiu ali, numa hora. E como se lida com isto?


Caiu-me o chão e, pela primeira vez, experienciei algo que nunca tinha lido nas redes sociais. “Só me acontece a mim?”, pensei. A exigência emocional continuou – cancelei todos os comboios e planos de viagem porque precisava de sair da Índia e reservo um novo comboio para o Bangladesh, a lutar contra todos os imprevistos. No dia antes de atravessar a fronteira recebo, como que uma luz ao fundo do túnel, uma mensagem do meu amigo refugiado. Que luz! Estava mesmo a precisar que alguma coisa corresse bem. E o Bangladesh… bem, já escrevi sobre isso, foi facada atrás de facada numa realidade que sabia que existia, mas que sempre esteve longe o suficiente para ser sentida. Foi para lá de dura e houve noites em que pouco consegui dormir. Regressei passados 10 dias à Índia, como planeado, e sigo diretamente para o Kumbh Mela, um festival religioso em que milhões (sim, milhões) de hindus se banham nas águas do cruzamento de três rios sagrados, numa que é uma das maiores concentrações humanas do mundo. Amigos já lá tinham estado, tiveram uma experiência para lá de inesquecível e surreal e, de certa forma, também eu desejava ter esses momentos. Mas aquele calor humano, misturado com o pó de uma cidade que foi construída só com este propósito num terreno árido e descampado, acompanhados com uma devoção à religião de forma brutalmente intensa, levaram-me à exaustão. Precisava de uma pausa para reestruturar as ideias.


Estive umas quatro ou cinco semanas verdadeiramente sozinho a conviver apenas com locais em couchsurfing, ou a viver em casa de amigos de amigos indianos ou do Bangladesh que pouco ou nada falavam inglês. Pessoas essas que, embora tivessem a barreira da comunicação, me queriam bem e queriam que tivesse a melhor experiência possível na sua cidade. Levei um ritmo estonteante. Tudo isto, enquanto via um projeto a desmoronar. Lembro-me que na altura escrevi algo como “e nem tudo foi um mar de rosas”, sendo este o meu “grito de … atenção que isto afinal não é tão fácil assim”.


Foi remédio santo. Sempre absorvi tanto quanto podia todas as críticas de professores e amigos e moldei muito a minha postura e trabalhos que apresentava consoante o que outros iriam pensar. A minha personalidade foi limada com estas críticas e de vez em quando lá se soltava o “franco, o revolucionário” quando não queria ir segundo o sistema. Vivia verdadeiramente dependente de opiniões de terceiros e sei que cresci nesse jeito. Na loucura do Kumbh Mela percebi que um dia esta dependência tinha de acabar e que o mundo cor-de-rosa em viagem construído pela maioria dos perfis digitais que seguia não existia e que, independentemente do que outros fossem pensar, a minha expressão digital iria mudar e a maneira como ia viver esta viagem ia tomar outro rumo.


Em suma, o Instagram, em mim, teve um impacto bastante negativo porque criei muitas expectativas e sonhos alicerçados num mundo idílico. Estava num sítio a tentar replicar experiências e não a viver a minha viagem. A realidade nua e crua não tem aquelas cores, aquelas crianças pararam de brincar para que o turista tirasse aquela foto sorridente, e aquela paisagem solitária no paraíso tem uma fila de espera no backstage. Não significa que não goste da tal foto, ou que não faça o mesmo (porque o faço!), mas hoje sei o grau de distorção que existe entre mundo digital e real. E continuo com o perfil digital porque quero e não porque alguém me obrigou. Naquela altura, deixei de seguir alguns bloggers de viagem e contam-se pelos dedos das mãos os que ainda sigo (e os que sigo… valem a pena porque me inspiram a cada dia!). Tornei-me mais positivo, aprendi a gerir melhor as minhas expectativas e o que transmito passou a refletir o que eu queria que me tivesse sido transmitido. Adotei o mote da RTP2 “quem vê, quer ver” e vivo bem com o facto de que o que partilho pode não interessar às massas. Tudo isto demorou tempo e foram precisos seis meses para conseguir corretamente expressar isto por escrito.


Vivemos numa era (se é que isto não é intemporal) em que vivemos para inspirar os outros e, muitas vezes, não medimos corretamente o impacto que temos em alguém. Quando só mostro a parte bonita da viagem, aquele dia em que só gastei 4 euros e aquela tarde com amigos aleatórios que fiz em viagem, corro o risco de criar a expectativa em alguém que isso é a minha rotina. E esse alguém vai começar a construir sonhos baseados nisso e pode mesmo chegar a fazer a mochila. Na realidade, na minha perspetiva, isso não acontece nem durante 50% do tempo e, quando tudo desmorona e estás sozinho, os tais amigos de viagem podem entender-te. mas é nos teus amigos da vida que vais querer procurar resposta e conforto e eles… estão a uma diferença horária de 7 horas. Inspirar está na moda, mas é um ato bem perigoso e de grande responsabilidade.


DOIS… fica para o próximo capítulo. Um genuíno obrigado se leste até ao fim. Vales mais que 1 milhão de likes. Quem lê, quer ler.


Abraço, franco.

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