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  • Writer's pictureTiago Franco

Voltaria a fazer um Gap Year? Resposta de quem anda há três meses na estrada.

Parti em busca de mim próprio e de projetos sustentáveis pela Ásia. Passados três meses, podia dizer que a minha jornada já está quase terminada.

Nos últimos dias, vivi numa quinta autossustentável, onde até as cinzas são usadas como detergente da loiça. Aqui, não há papel higiénico, (quase) não há eletricidade, não há carros, e o plástico só chegou há quinze anos quando se abriu uma estrada da aldeia até ao centro mais próximo. Se inicialmente ser sustentável na quinta e usar tudo como recurso era uma necessidade, hoje, a meu ver, é uma questão cultural e de comodismo que vai mudando a cada viagem que o autocarro faz n’A Estrada da Aldeia. Enfim, aqui percebi a evolução natural das sociedades (como a minha) que se tornaram capitalistas, consumistas e sem conexão com Natureza. A vida lá fora é mais fácil e premeia-nos a cada instante. Mas não é necessariamente melhor.

Passados sete dias aqui, escrevo este texto porque, na verdade, não tenho mais nada para fazer. Já li os dois livros que trouxe, já pensei sobre eles, já fiz planos a cinco anos para a minha vida, já sei as trinta músicas que trouxe de trás para a frente e já pensei e repensei tudo o que a minha mente trouxe à tona. Viver sem internet e sem grandes afazeres é assim… todos os dias, eu e a Jen (da mesma idade, a fazer um Gap Year e do Canadá) sentamo-nos nas horas vagas (quase todas) a escrever, a ler, a pintar aguarelas, a lavar a roupa e a olhar, durante horas sem fim, para a montanha gigante coberta de neve que se vai destacando ao fundo, atrás dos montes cultivados pelo Homem.

Era preciso fazer um Gap Year para chegar a todas as conclusões que tenho hoje e para conhecer todos os projetos que já conheci? Não. Se calhar, a esta altura, podia já estar a fazer o mestrado, a seguir o “percurso ideal” do nosso sistema de ensino e, com toda a informação que a internet nos dá, conseguia ter acesso a quase todo o conhecimento do mundo que tenho hoje. Aliás, provavelmente até teria uma experiência de aprendizagem mais estruturada e sólida, com argumentos fortes e exemplos variados.

Em três meses de viagem estive “nas nuvens” – nunca esta expressão fez tanto sentido para mim. Estive fora do meu ambiente e pude rever e pensar em cada detalhe do que me prendia, do que me fazia feliz, do que me inquietava. Como as nuvens que vão e voltam, também eu tive tempo para ir e voltar ao meu Mundo quando tinha necessidade. E quando voltava, já não era o mesmo. Tive tempo para sentir saudades e, acima de tudo, tempo para me habituar à minha presença e para trabalhar no que sou. Tive tempo para ler, para me inspirar, para conhecer pessoas diferentes e para pensar de forma diferente.

Os dez quilos que carrego às costas vão desaparecendo à medida que a viagem passa: ou porque vou perdendo o que trago ou porque vou dando a quem por mim passa o que, afinal, já não é tão essencial assim. O espaço vazio ocupa-se de outra forma.

Era preciso tirar um Gap Year para tudo isto? Provavelmente, não. Mas ainda bem que o tirei e ainda bem que tive o apoio da minha faculdade para o fazer. Ninguém me vai tirar os dias na floresta do Sri Lanka à procura de elefantes selvagens, nem os dias que passei rodeado de Indianos a crescer com eles e a rir até não poder mais, ou os dias no Bangladesh a levar pancadinhas nas costas e a entender a dura realidade do esclavagismo do século XXI, nem muito menos os dias no Nepal, numa quinta, a acordar com o nascer-do-sol e a adormecer quando a noite chega.

No início, imaginava-me muitas vezes numa entrevista de emprego a responder à pergunta “qual a vantagem para a minha empresa ter alguém como tu que fez um Gap Year”? Como gestor que no diploma se escreve que sou, na minha mente, pegava em números e exemplos que transformava em competências para dar uma resposta à rei. Hoje, passados três meses, respondo “porque nunca tive tantos dias seguidos na minha vida onde fui verdadeiramente feliz, dias esses que me fizeram crescer, que resolveram muitos dilemas de um jovem com 21 anos, que tornaram claro como água as competências que se destacam em mim e as que precisam de mais trabalho e, finalmente, dias esses que me fazem candidatar à empresa X porque sei, com convicção, que é aí que quero estar e não porque é o mais acertado a fazer nesta idade segundo os padrões da sociedade”.

Passados 3 meses, podia dizer que a minha jornada já está quase terminada – mas não está. E estou tão curioso para ver o que os próximos 4 meses me vão trazer. Voltaria a fazer um Gap Year? Sem dúvida.

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